Ceará Game Jam: O Salto Estratégico do Estado na Indústria de Games

A indústria de jogos eletrônicos, um colosso global avaliado em bilhões de dólares, encontra no Brasil um de seus mais férteis terrenos. Nesse cenário de expansão e inovação, o Ceará acaba de cravar seu nome, promovendo sua primeira Game Jam, uma iniciativa que transcende o mero entretenimento para se posicionar como um marco estratégico no desenvolvimento tecnológico e cultural da região.

Realizada nas instalações do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, a maratona criativa, ocorrida entre os dias 26 e 28 de setembro, mobilizou dezesseis equipes e cinquenta e seis participantes. Durante quarenta e oito horas de imersão intensa, esses indivíduos foram desafiados a transformar conceitos científicos em experiências lúdicas, um esforço que ecoa o potencial econômico do setor, que em 2021 movimentou US$ 2,7 bilhões apenas no Brasil, conforme dados da consultoria europeia Newzoo.

O cerne do desafio residia na intersecção entre ciência e diversão. Sob o mote ?Mar de Ideias ? Cultura Oceânica no Ceará?, os desenvolvedores foram incumbidos de conceber jogos, tanto digitais quanto analógicos, capazes de traduzir complexas questões ambientais ? como a contaminação dos oceanos, a preservação de espécies marinhas menos conhecidas e a intrínseca importância do equilíbrio ecológico ? em narrativas acessíveis e engajadoras. A proposta era clara: utilizar o poder do lúdico para popularizar o conhecimento científico e fomentar a conscientização.

Ainda que o desgaste físico fosse perceptível após a exaustiva jornada de quarenta e oito horas, a organização nutre elevadas expectativas quanto à qualidade dos produtos desenvolvidos, esperando que demonstrem não apenas criatividade e inovação, mas também um profundo alinhamento com a temática proposta. O propósito maior desses projetos vai além da competição: visa a que se tornem ferramentas eficazes para a disseminação da ciência, impactando desde a educação básica até campanhas de sensibilização pública sobre pautas ambientais prementes.

Ceará no Cenário Global dos Games: Um Salto Estratégico

A relevância do evento foi sublinhada pela secretária da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), Sandra Monteiro, que destacou o papel de vanguarda do Ceará no panorama digital.

Tem sido uma Game Jam protagonista em diversidade e inclusão, com muitas mulheres participando. Gosto de estar nesses espaços porque sou educadora antes de ser secretária. Fico muito feliz em poder estar, em outro nível de gestão, pensando políticas públicas para levar ao cidadão formas de melhor compreensão e popularização da ciência

afirmou a gestora, ressaltando o caráter inclusivo e pedagógico da iniciativa.

A maratona revelou um mosaico de talentos e perfis. Desde estudantes universitários ávidos por conhecimento, passando por desenvolvedores já estabelecidos no mercado, até famílias inteiras que se uniram para competir, a diversidade foi a tônica. Para muitos, a experiência foi duplamente inovadora: além de ser a primeira Game Jam de suas vidas, representou a oportunidade ímpar de conhecer de perto as instalações do Labomar, um centro de pesquisa de excelência.

O ambiente de colaboração se destacou, com equipes e participantes oferecendo auxílio mútuo, seja na compreensão de softwares complexos ou na criação de trilhas sonoras originais. Um exemplo notável foi a equipe Brincolar Games, composta por Gabura, sua esposa Dálete, o filho Benjamin, de dez anos, e a amiga Julie. Seu projeto, um jogo educativo na plataforma Roblox, visava a uma causa nobre:

Queremos que as crianças conheçam espécies que não são consideradas tão ?bonitas? visualmente, mas que são muito importantes para o ecossistema marinho, para que elas entendam e passem a conhecer e zelar por essas espécies

explicaram os idealizadores, evidenciando o potencial pedagógico da gamificação.

Mar de Ideias e Talentos: A Essência da Inovação Cearense

Outras abordagens igualmente criativas emergiram. A equipe Aliens, formada pelos jovens Lou, Davi e René, da Universidade de Fortaleza (Unifor), concebeu um jogo onde um rato velejador, ao coletar uma quantidade específica de resíduos marinhos, possibilitava o retorno de espécies extintas pela poluição. A dedicação familiar se repetiu na Midnight Games, com Ana Elisa trabalhando ao lado de sua mãe Elizabete e pai Fernando Régis. Já a Cururu Games explorou vertentes mais poéticas, tecendo narrativas simbólicas e explorando a memória afetiva em seus projetos.

Nem todos eram novatos na arena das Game Jams. A Sanguessuga Studio, com David, Humberto e Lia, trouxe a expertise de desenvolvedores e designers com histórico de participações e pódios em eventos similares pelo Brasil, elevando o nível da competição. A inclusão também foi um pilar, exemplificada pela equipe BJ Devis, composta por Felipe Vieira, Alessandra, Vanessa, Rômulo Jardim e Isabele Carvalho, moradores do bairro periférico Bom Jardim. Seu projeto focou na acessibilidade, incorporando legendas e dublagem, além de um sistema de movimentos via mouse, beneficiando usuários com mobilidade reduzida ? uma demonstração palpável do impacto social que os jogos podem gerar.

Rose Moura, de 29 anos, monitora do Programa de Educação Tutorial (PET) da Oceanografia do Labomar, compartilhou sua perspectiva sobre a experiência e a relevância da temática.

Eu nunca tinha participado de um evento assim e é muito legal ver um casamento tanto com o estudo do oceano quanto da parte de tecnologia. Eu espero que tenhamos outras edições, porque é algo que valoriza tanto o oceano em si quanto a conservação dele. Que outros games possam se interessar por essa área de oceanografia, da área ambiental e da conservação do oceano, porque vai trazer uma sensibilização para os jogadores e para a população

expressou, ressaltando o potencial transformador dos jogos em pautas ambientais.

Do Labomar ao Mercado: O Futuro da Indústria Cearense de Games

Enquanto o Brasil já se consolida como uma potência global no universo dos games, iniciativas como a Game Jam CE sinalizam que o Ceará possui um terreno fértil para edificar um ecossistema próprio. Um ambiente capaz de não apenas formar profissionais qualificados, mas também de impulsionar a geração de novos negócios. A visão é que os projetos nascidos nesta maratona não se encerrem em si mesmos: eles serão expostos ao público na Feira do Conhecimento, agendada para os dias 6 a 8 de novembro no Centro de Eventos, marcando um novo capítulo para essas criações.

Gabas, desenvolvedor de jogos há mais de treze anos e presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos, com trinta e sete anos, manifestou sua satisfação com a renovação do cenário local, impulsionada pela adesão de novos talentos. Para ele, a estratégia de interligar a temática com o ambiente físico do Labomar foi um acerto fundamental. Como mentor na Game Jam, ele revelou que o número de inscritos superou as expectativas e expressou seu anseio por que a iniciativa persista e se expanda, visando à integração de um número ainda maior de pessoas, incluindo participantes do interior do estado, nas próximas edições.

Estamos falando de uma temática de cultura oceânica, e está sendo feita aqui no Labomar com a vista para a praia, então agrega muito ao ambiente para eles se inspirarem ao criar. E estamos felizes com o número de inscritos, superando as nossas expectativas ao ter 16 equipes, com 53 participantes, a ideia é que isso perdure. A Game Jam é importante porque foi por meio de uma que montei minha empresa e meu primeiro jogo foi criado dentro de uma também

concluiu, sublinhando o impacto pessoal e profissional que tais eventos podem ter.

A realização da Game Jam está intrinsecamente ligada à missão da Universidade do Trabalho Digital (UTD), um programa da Secitece que, há mais de uma década, representa uma iniciativa estratégica do Governo do Estado do Ceará.

A UTD tem um histórico consolidado na capacitação profissional, abrangendo desde a informática básica, fundamental para o mercado de trabalho contemporâneo, até o desenvolvimento de linguagens avançadas, como Java. Ao longo dos anos, e em resposta às demandas crescentes da população e do mercado, a instituição incorporou em sua agenda o Plano Setorial de Jogos do estado, alinhando-se à Política Nacional da Cultura Digital. A premissa é clara: ampliar a atuação da Universidade, conectar o Ceará com as tendências globais do desenvolvimento de games e, acima de tudo, identificar e valorizar os talentos locais, pavimentando o caminho para um futuro digital robusto e inovador no estado.